julho 20, 2011

Nenhuma opção está correta

Como encaramos situações de conflito.

Todos esperamos, em nosso íntimo, que Deus mostre quem está correto e desvende os olhos de quem não está. (Mesmo que duas alternativas não pareçam claras, uma situação de conflito é sempre, no mínimo, dicotômica: posso estar certo ou não).
E obviamente que, além de enxergarmos de forma limitada apenas estas duas opções, nosso orgulho quase elimina a possibilidade de que o outro é quem pode estar certo.

Seja o que for, Deus provavelmente não está ligando pra nenhuma delas; deve estar olhando paciente para toda essa situação e pensando "as duas opções estão erradas; estão me pedindo uma resposta, mas irei responder de um jeito diferente das alternativas imaginadas, com algo que não conseguem enxergar, porque são limitados". E não é difícil pensar que Deus poderá agir assim.
Jesus, ao ser questionado pelos discípulos se quem havia pecado era o homem cego ou seus pais, não pôde responder a pergunta feita, pois as duas alternativas estavam erradas.
Da maneira como foi formulada, a pergunta não tinha resposta.
Os discípulos estavam discutindo causa, enquanto o mestre estava preocupado com o propósito. A cegueira do homem, afirmou Jesus, tinha como fim as obras de Deus que seriam manifestadas através da vida dele, através da cura física ou não.

É provável que estejamos discutindo causas, consequências e entremeios, e não o propósito de Deus, pois não estamos pensando com a mente de Cristo. E nos surpreenderemos à medida que Ele tentar responder, se é que estaremos interessados e atentos em ouvir sua resposta.
E, por outro lado, se achamos que Deus não tem nada a ver com isso, e que podemos resolver por nossas próprias competências, talvez estejamos anulando a voz de Deus e negando a atuação do seu Espírito.

julho 16, 2011

Estou em crise

Estou em crise.
Estou em crise, perdi as estribeiras. Para alguns, cego espiritualmente, longe do primeiro amor, sem unção.

Estou em crise, resolvi rever meu cristianismo.
Estou em crise, me dei o luxo de aceitar o fato de talvez não estar certo em todas as coisas. Consegui, depois de muito quebrar a cabeça, entender que é preciso mudar. Aceitei que podem ter coisas pras quais as minhas respostas não são suficientes, os meus argumentos não saciam, e o que eu aprendi, pode não ser completamente certo: entrei em crise.

Estou em crise. Acho que as pessoas tem infinitamente mais valor do que as coisas, que as atividades, que os horários e que os lugares.

Estou em crise. Enxergo muito as palavras "próximo" no novo testamento. Entendo que servir ao próximo é uma das principais formas de se servir a Deus. Entendo que Jesus se encarnou humano e se doou ao seus próximos como obediência ao seu Pai.

Estou em crise. Acho que o evangelho só é cumprido quando entendemos que importância tem o ser acima do fazer. Acho que não tem como ser servo e depois ser amigo. Acho que a obediência é fruto da minha amizade; e por isso, tenho que aceitar a amizade que Cristo comprou com seu sangue precioso. Acho que só depois de viver experimentar essa relação de amizade com Cristo é que minha vida vai poder testemunhar alguma coisa sobre o reino de Deus.

Estou em crise. Descobri como sou fraco e incapaz. Descobri como, ainda que me esforce muito, e continue me esforçando, nunca vou conseguir ser bom o suficiente; não vou conseguir agradar a Deus suficientemente; ser um cristão vencedor o bastante. Descobri que Deus veio para os fracos, para os que não conseguem, para os que choram, para os que são imperfeitos e vão continuar sendo. Descobri que exatamente por isso, Deus nos amou primeiro, quando ainda éramos rebeldes, pois nunca iríamos ou poderíamos tomar a iniciativa de nos reconciliar com ele.

Estou em crise. Descobri como Deus aprecia a liberdade. Tanto, que ele nos criou com a opção de viver ou não com ele, e sendo assim, ele teve que suportar que alguns poderiam escolher não viver com ele. Sim, Deus cede espaço para a existência daqueles que se rebelam contra ele, e só irá reinar sobre aqueles que desejam estar sob seu reinado.

Estou em crise. Aprecio o diálogo; gosto de ouvir, de falar, de opinar e aceitar opiniões, de discordar e concordar. Vejo na discussão uma oportunidade de crescimento, de revisão de conhecimentos, e, por consequência, dependendo do caso, necessidade de mudança.

Sim, o perigo da crise: posso mudar de opinião após conversar com você. Considero poder estar errado. Considero que Deus pode falar através de você e me mostrar algo que não estou enxergando.

Estou em crise, acho que a luz tem mais poder que as trevas.

Compreendi que o plano de Deus é de reconciliação com toda a humanidade; com todos. E não é um jogo de premiação dos mais bonzinhos, mais esforçados, mais espirituais.

Entendi que a vida cristã não é fácil, e isso não tem nada a ver com o número de responsabilidades na igreja. A parte que não é fácil é renunciar o seu próprio eu, servir o próximo, lutar pela justiça. A dificuldade não está em carregar a 'igreja' nas costas, pois a igreja verdadeira está fundada em Jesus Cristo.

Estou em crise. A leitura das escrituras mexe com minhas estruturas. Fico incomodado com o grande valor que damos para os pecados sexuais, mentira e palavrões, e fazemos vista grossa quando a bíblia fala em glutonarias, justiça própria e doar os bens materiais ao próximo. Me estremece pensar como esquecemos o quanto Deus abomina o orgulho, o coração duro e o julgamento. Me arrepia a facilidade que temos de esquecer nossa podridão e pecado constante e apontar as poeirinhas que repousam sobre o ombro dos nossos irmãos. Me proponho a sempre lembrar minha infinita distância da perfeição de Cristo antes de me comparar com meu irmão, para desprezá-lo e exaltar minhas próprias virtudes (afinal, as comparações normalmente resultam nisso: eu enxergo o quão bom eu sou e quão distante está o outro de alcançar minhas qualidades).

Estou em crise, pois resolvi tomar mais cuidado ao contextualizar a leitura do velho testamento. Quando isso não é feito, há um risco muito grande em interpretar de forma equivocada conceitos como vitória, promessa, inimigo, unção: posso entender que Deus vai me dar vitória em tudo, pois prometeu isso ao povo de Israel, posso entender que Deus tem muitas promessas pra mim, e que tenho o direito de lutar por elas, posso entender que os líderes da igreja são autoridade máxima dentro do corpo de Cristo, inquestionáveis e intocáveis, afinal, são ungidos do Senhor. Todas essas coisas podem ser fácil e erroneamente interpretadas, mas são bem diferentes daquilo que Deus tem pra nossa realidade hoje, depois de revelar Jesus Cristo.

Percebi, talvez ainda não muito bem, que o "espiritual" só é muito mais importante do que o "material" pra quem tem uma boa casa em um bom bairro, um bom emprego, comida na mesa, liberdade de expressão, boa estrutura familiar, acesso à educação, cultura, defesa jurídica, democracia, etc, e que tem seu maior desafio em ir a igreja nos fins de semana suportar os irmãos e orar pelas almas perdidas. Pras pessoas que não tem todas essas benesses, a missão de Cristo de "pregar boas novas aos pobres, proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor" leva a entender que Jesus veio trazer redenção para o indivíduo todo -corpo e alma, pois são uma coisa só- e para o contexto em que vive. Isso é mais coerente do que pensar que Jesus acha medíocres as lutas que não são 'espirituais' e as orações que não são 'maduras' o suficiente para interceder pela alma do próximo.

Talvez tenha começado a entrar na crise quando achei mais fácil ler a bíblia em alemão, traduzida por Lutero, do que a minha velhinha em português, que falava em "arrazoar", "recalcitrar contra os aguilhões", "admoestar". Quando parei de cantar as músicas que falavam de coisas que ninguém entendia ou que estavam fora do meu alcance, como "fumaça, fogo, arca santa", "romper em fé", "voar como águia".


Sim, estou em crise. Cada dia me convenço mais da soberania de Deus e da insignificância das minhas obras, do meu esforço, dos meus brilhantes talentos e perseverança. Estou em crise porque isso não me acomoda e me faz estático, ao contrário, me move em direção a ser como Cristo, mas com a convicção de que Ele é quem faz a obra e quem merece todo o mérito. Estou convencido de que sou e continuo pecador, e de que sem o sopro de vida de Cristo continuarei morto como sempre estive.

Estou em crise pois compreendi que o reino de Deus já começou aqui e agora, e não é uma coisa pra outra vida, e não vivemos num universo espiritual paralelo fora do mundo.

Estou em crise pois acho que o irmãozinho que não voa como águia mas vai visitar e cuidar da mãe que não vê durante a semana consegue alegrar mais o coração de Deus do que com o crente prodígio espiritual que passa o fim de semana enfurnado na igreja.

Estou em crise, pois o Deus que está mais preocupado com a circuncisão do coração do que com o ritual físico e com a mente humilde do que com a limpeza das mãos, por lógica simples e aritmética, está pouco se importando se a oração é feita de pé ou sentado, se no copo tem suco ou vinho, se o culto é de tarde ou de noite, se o templo é verde ou rosa, se é rock ou baião, se é segunda ou terça, se a água é de cima, de baixo, quente, fria ou pingando.

Estou em crise. Não critico para ser crica ou pra amaciar o meu ego. Não concordo com gente que critica a Igreja por criticar. Tenho críticas à Igreja porque a amo, e me preocupo com que ela não se desvie da Palavra. Quero que ela viva o evangelho de maneira simples e sincera, que se arrependa dos seus pecados, que entenda e cumpra a missão de Cristo na sua totalidade. Quero que ela pare de brigar e se dividir e entenda de fato que "há um só corpo e um só Espírito", e possa enfim "guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz".

Cuidado, estou em crise! É contagioso! E pode pegar todos aqueles que se entristecem com o abismo entre a profundidade da pregação de Cristo e o que os valores superficiais que são buscados hoje nas igrejas. Todos os que se deparam com instituições que oprimem e não libertam, com interpretações distorcidas das escrituras e incoerência na prática dos valores cristãos. Todos os que não conseguem ser suficientemente produtivos para os líderes de sua igreja - que juram ser a voz de Deus-, estão sujeitos ao contágio.

Que Deus permita que a crise continue, e que ele traga sempre a renovação do entendimento, pra que eu enxergue meus pecados e cegueiras, e que minhas atitudes e pensamentos possam traduzir cada vez com mais transparência a autoridade, amor e justiça de Cristo.

Diz o Senhor: Quem o louvar de coração o exaltará.



Julho de 2011

julho 01, 2011

O cristão imutável. Quem o convencerá?


Talvez você conheça algum. Uns até se disfarçam bem por questionadores tolerantes.
Com vocês, o cristão imutável:

"Pretendo ter discussões neutras, em que se ponham em cheque todas as ideias pré-concebidas, em que possa rever meus conceitos, mas nada disso acontece, porque no fundo estou resistente e convicto de que estou certo, o outro é quem precisa ter os olhos desvendados, e que Deus não tem nada a mudar nas minhas convicções. Ele deve apenas me dar mais fé, mais crescimento espiritual e mais poder. Creio no fundo, que apenas o outro é quem precisa de renovação do entendimento, pois não chegou ao pleno conhecimento das Escrituras, assim como eu cheguei.
E se tem algum pensamento ou interpretação que confronta a minha, ela é modinha, burburinho do meio cristão, e deve ser rejeitada pelos cristãos 'verdadeiros', que seguem a palavra na íntegra.

Se eu aprendi ou cheguei a alguma conclusão ou conceito errado durante a minha caminhada?
Difícil.
Mas, se por acaso acontecer, só Deus é quem deve me mostrar.

Meus irmãos, são muito inferiores a Ele, Deus não revelaria nada a eles.
A Palavra, creio que ela quer dizer exatamente aquilo que eu já compreendi. O pastor? Não, ele não está bem espiritualmente, a palavra que ele deu não foi inspirada, escorregou em alguns pontos.
Talvez Deus queira mandar um anjo, quem sabe..."




Deus tenha piedade de quem espera vozes do céu.
Nem elas o convenceriam.

Julho de 2011